Saturday, February 17, 2007

Terceira sessão - 27 de Fevereiro 2007 - O sistema clássico soviético

A utilização da montagem enquanto processo de significação só começou quando o cinema se assumiu como tal, largando o estigma do "teatro filmado" ou da simples reprodução de imagens, através de Griffith. O eminente cineasta norte-americano verificou a possibilidade de utilização de diferentes planos (toda a escala de planos do plano panorâmico ao plano de pormenor) e da variação do ângulo de filmagem (que até à altura era sempre o mesmo, geralmente, à altura do homem), o que atribuía, desde logo, uma importância capital à montagem. Assim, já não existe tão somente a preocupação básica com a sequência de projecção do filme, mas surge agora a necessidade de dar aos planos fragmentários um significado, um sentido. Griffith descobriu ainda a importância do ritmo no cinema (enquanto efeito de montagem), conferindo diferentes durações aos planos e às diferentes proporções de duração entre os planos um carácter significante, num processo de montagem a que Eisenstein chama de montagem métrica.

Por outro lado, na Rússia, um teórico e cineasta muito importante chamado Lev Kuleshov, fez descobertas a outro nível. A sua experiência mais famosa é deveras reveladora: Kuleshov montou um grande plano expressivo do rosto do actor Mosjoukine (retirado de um filme de Geo Bauer) com outro mostrando um prato de sopa; depois montou o mesmo plano do rosto do actor com um outro mostrando um caixão de criança; montou ainda um terceiro conjunto com o mesmo plano da cara do actor e um outro de uma mulher seminua em pose provocante. Projectou então o conjunto final perante uma audiência, sendo unânime a opinião de que Mosjoukine era um óptimo actor, dado que expressava de um modo magnífico os sentimentos de fome (plano do prato de sopa), dor (plano do caixão de criança) e de desejo (plano da mulher seminua). Kuleshov provava assim que o significado de uma sequência pode depender tão somente da relação subjectiva que cada espectador estabelece entre imagens ou planos que, parcelarmente, não possuem qualquer significação.

Vejamos então as concepções estabelecidas pelo realizador acerca da montagem.

1 - A montagem métrica
Baseia-se essencialmente no comprimento dos fragmentos de montagem e na proporcionalidade entre os vários comprimentos de fragmentos sucessivos, um pouco à maneira do compasso musical. A tensão é originada a partir de uma aceleração de tipo mecânico (reduzindo a duração dos fragmentos de filme, embora mantendo uma proporcionalidade de base).

2 - A montagem rítmica
Está relacionada com a importância do movimento no interior de cada fragmento que, mais tarde, irá determinar a métrica dos mesmos. Daí que neste tipo de montagem existam dois tipos de movimento: o dos cortes de montagem e o real no interior dos planos.Eisenstein explorou profundamente não só as concordâncias desses dois movimentos como, acima de tudo, os conflitos entre eles.

3 - Montagem tonal
A montagem baseia-se no tom emocional característico de cada fragmento. Torna-se evidente que a concepção de medida de Eisenstein se torna, neste caso, menos clara, visto que o tal "tom emocional" não se avalia de modo empírico, adiantando mesmo a hipótese de se estabelecerem coeficientes matemáticos para as tonalidade luminosas, ou efeitos geométricos para fragmentos descritíveis como tendo um "tom agudo".

O exemplo mais comum é a sequência do nevoeiro de "O couraçado Potemkine", na qual a dominante da montagem é, sobretudo, dada pelas vibrações luminosas dos planos não esquecendo porém a sua componente rítmica (expressa pela suave agitação das águas, pela ligeireza do movimento dos barcos, pelo vapor em lenta ascensão, pelas gaivotas que voam sossegadas).

4 – A montagem intelectual
Eisenstein aventura-se no "terreno da pura especulação psicofisiológica de precária confirmação científica"
É a montagem não dos tons harmónicos geralmente fisiológicos, mas de tons harmónicos de um tipo intelectual, isto é, conflito-justaposição de efeitos intelectuais paralelos". O cineasta pretende mostrar que não existe diferença entre o movimento de um homem balançando sob a influência de uma montagem métrica elementar e o processo intelectual em si, porque o processo intelectual trata-se da mesma agitação ao nível dos mais altos centros nervosos.

O exemplo mais relevante deste tipo de montagem é a sequência dos deuses em "Outubro", que apresenta, sucessivamente, imagens de vários ícones, começando no cristianismo e acabando nos ídolos tribais primitivos. A ideia de Eisenstein era que o espectador se apercebesse do progresso apenas intelectualmente. Por estas (e outras) razões, a complexa estruturação de algumas cenas de "Outubro" (perceptível para quem possuía hábitos literários ou cinematográficos com algumas raízes) foi totalmente incompreensível para muitos dos espectadores, à data da exibição

5 - A montagem vertical
Surgiu a Eisenstein em 1938, depois de uma longa estadia no estrangeiro, estando relacionada com a concepção global de um filme, mais do que com a relação entre os seus vários planos. Digamos que ela é, sobretudo, um meio de criar os efeitos desejados pela relacionação de imagens visuais e sonoras incluindo, mais tarde, o efeito cor para o único caso que Eisenstein nos legou (na segunda parte de "Ivan, o Terrível"). A aplicação da montagem vertical nos filmes de Eisenstein iniciou-se com "Alexander Nevsky" onde a história musical de Prokofiev se funde com a história visual-verbal, chocando entre si, mas sobretudo reforçam-se numa soma que é bem mais que a contida separadamente em cada uma das suas partes.

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